11 de abril de 2023

Dia 3: O que te deixa triste, ou negativa

Essa é fácil. Eu fui criada na periferia de São Paulo e cresci correndo na rua, brincando de todas as brincadeiras possíveis. Foi uma infância feliz, apesar de ouvir histórias sobre a pobreza, violência e desinteresse do governo pela nossa região. Esses problemas não me afetaram diretamente porque tive a sorte de crescer em um lar estruturado que, apesar das dificuldades, sempre fechou o mês com comida na mesa e crianças na escola. 

Já adulta, consegui cursar uma faculdade, ingressar no mercado de trabalho com um bom salário e, aos poucos, crescer na carreira. Mudei para o que chamamos de “depois da ponte” e finalmente conheci a qualidade de vida que um bom bairro pode proporcionar. 

Parece uma história feliz, você deve estar pensando. De fato é. Mas, toda moeda tem seus dois lados. 

Para mim, a coisa que mais me entristece é perceber como as famílias do extremo sul de São Paulo são negligenciadas. Dói muito perceber que a mesma sorte que eu tive não recaiu sobre as pessoas que cresceram comigo e que um salário mínimo não é suficiente para pagar todas as contas no fim do mês.

Dói ainda mais parar o carro no farol e ver uma criança, que poderia ter sido minha vizinha, pedindo um trocado debaixo do sol quente. Sinto culpa por estar no carro e sinto vergonha de evoluir sabendo que tantas outras pessoas estão em situações tão desumanas. 

É curioso como a revolta supera o sentimento de gratidão. Eu poderia discorrer por mais cinquenta páginas sobre a dor que a desigualdade social me traz, mas isso não nos levaria a lugar nenhum. Prefiro encerrar por aqui e manter a esperança de que um dia as coisas mudem para melhor. Tomara.


5 de abril de 2023

Dia 2: Algo que te contaram e você nunca esqueceu

Certa vez, num domingo cinza de primavera, aconteceu um churrasco na casa da minha mãe. Não é novidade esses eventos acontecem até hoje. Este dia, especificamente, ficou gravado na minha memória. Não pela diversão ou comida. Mas pela história que um homem me contou.

Deixa eu te ambientar brevemente: o quintal tinha um ar esverdeado, do tipo que recebeu muita chuva nos últimos dias. O cheiro era de terra molhada, apesar de não ter caído uma gota do céu. As pessoas já estavam se recolhendo, satisfeitas e se preparando para a semana. A música estava melancólica, com trilhas antigas levando o resto do domingo embora. 

Foi neste momento que o homem, já alterado pela cerveja, me perguntou se eu sabia o que era o horizonte. Eu, no auge dos 5 anos de idade, não sabia. Ele, com toda a calma do mundo, explicou: “Sabe quando os olhos não alcançam o fim do mar? Aquela reta lá no fundo? Aquilo é o horizonte.”

Nunca me esqueci do significado dessa palavra. Nem do homem que me explicou. Nem da música que tocava. 

O homem era meu pai. E ele morreu numa manhã cinzenta no mesmo horizonte do mar da minha imaginação.