8 de abril de 2020

A gorda e a quarentena

Nas recentes semanas só se fala em isolamento social, quarentena e os efeitos dos dias confinados em casa. Para pessoas ativas, o exercício físico é um escape para eliminar a ansiedade e gastar energia. Mas e as que não curtem malhar?
Sempre fui gorda. Como consequência disso, cresci ouvindo piadas maldosas das pessoas que mais amo. Elas acreditam que está tudo bem e que as vezes, o "conselho" é para o meu bem. 
Apesar de ser uma das integrantes mais saudável da minha casa, ainda sou a referência para ser culpada quando o último pedaço de pizza some da geladeira. Dói ser apontada apenas por não ser igual aos outros, ou estar dentro de um padrão. 
Decidi castigar a mim mesma e fazer o tal do jejum intermitente por ter ouvido que minha barriga estava um pouquinho maior. Baixei os aplicativos, comprei limão, chia, tapioca, queijo branco e comecei. Estou atualmente enfrentando o terceiro dia e cara, é uma tortura. A fome faz doer o estômago e o cheiro das comidas ficam mais intensos. Mesmo com os litros de água, a sensação de vazio não passa.
Hoje minha mãe chegou em casa com bolachas, bombom, pão francês, frios e sucrilhos. Fez questão de gritar pela casa mesmo sabendo que estou me esforçando para ser um pouco menos repulsiva. Nem me dei ao trabalho de entrar na cozinha, mas ouvi ela brigando com a minha irmã magra que vai ficar doente por não ter comido arroz. Adendo: ela comeu normalmente durante o dia, mas a preocupação da minha mãe foi com a magreza de achar que ela ia ficar doente por não comer arroz.
E eu? Ela sabe do jejum. Sabe das limitações que me impus. Sabe do meu sofrimento. Ela não se importou em perguntar como estou ou demonstrou preocupação com a minha saúde.
Não obstante, gritou pela casa me acusando de ter comido todos os bombons da caixa. Logo eu, que nem sequer desci na cozinha. Minha irmã assumiu que foi ela, mas as desculpas não vieram. 
É tão mais fácil acusar a gorda de comer, não é mesmo? Gordo só fica doente por causa da gordura e colesterol. Gordo não tem anemia ou anorexia. Gordo morre de infarto por veia entupida, mas não por inanição ou suicídio.
É triste receber esse julgamento das pessoas que amo. Pior que isso, é não ser capaz de me amar do jeito que sou.