12 de maio de 2015

Lembranças

Minha vida nunca foi lá essas coisas anormais, com histórias incríveis, assassinatos em família, traições ou outras coisas surreais que só acontecem em ficções. Pelo contrário, a beleza dela é a simplicidade e autenticidade. 
Nunca tive muitos amigos. Talvez por não sair tanto ou não me achar divertida o suficiente para andar com a galera legal. Por esse motivo, sempre fui muito ligada com a minha família. Que eu lembre meu primeiro melhor amigo foi meu pai.
Confesso que não tenho muitas lembranças dele, o máximo que consigo voltar é quando eu tinha por volta dos quatro anos, quando minha mãe estava no hospital se recuperando de uma cirurgia da vesícula e eu estava morrendo de dor de garganta. Ele com toda a calma e paciência apanhou uma maça, partiu-a no meio e com uma colher, raspou-a toda e deu-me de uma forma que a dor não era sentida. Incrível como um simples gesto de carinho pode ficar para sempre na memória de uma criança. 

Ele sempre foi uma pessoa que todos podiam contar, dono de uma personalidade tão bondosa que qualquer um que o visse, diria que sua aura brilhava. A coisa que mais gostava de fazer era sentar num domingo, acender a churrasqueira, colocar a cerveja pra gelar e bater papo até a hora do fantástico. Aquela famosa vinheta do programa, anunciava que o final de semana acabara. 
Lembro-me que em uma ocasião dessas, estávamos apenas nós dois no quintal, o dia era cinzento, mas não frio, daqueles típicos do começo de outono. Ao fundo a triste canção Vento no Litoral de Renato Russo servia como trilha sonora.
- Sabe quando seus olhos não alcançam onde o mar termina? Aquela reta bem lá no fundo chama-se horizonte. Essa música é linda. Talvez a mais linda de todas...- ele disse.
Não sabia, mas aquele momento eu levaria para a vida toda.
No meu aniversário de cinco anos, eles resolveram dar uma festa para comemorar com tudo que tinha direito. O churrasco é claro foi indispensável, houve bolo da turma da Mônica e decoração combinando. Chamaram todos os parentes e convidados mais queridos, deixando assim a casa cheia de pessoas que não eram de meu convívio.
Já citei que sou extremamente tímida? No decorrer dos anos melhorei bastante, mas naquela época queria apenas aqueles que eu realmente amava por perto. 
Passei a maior parte do tempo tentando me esquivar de toda aquela agitação e quando chegou o parabéns, não consegui lidar com todos os olhares e atenção. Simplesmente me enfie debaixo da mesa decorada e lá fiquei, como um animalzinho acuado.
Ninguém sabia o que fazer para me convencer a sair dali. Ali foi onde me senti segura, e tornei meu refugio. Claro que meu pai, notando todo o alvoroço e meu desespero, se abaixou e falou mais uma vez com uma calma impressionante:
- Filha, todos que estão aqui são amigos, ninguém quer o seu mal e vieram para comemorar junto com você. Quanto mais cedo você criar coragem e sair, mais rápido eles irão embora. Não precisa ter medo. Ficarei ao seu lado.
E então, com toda a coragem que me restava, sai e encarei todos os olhares curiosos e divertidos daqueles que acharam engraçada a cena da menininha tímida escondida em baixo da mesa. Enquanto cantavam, olhei apenas para ele. Meu herói que não soltou minha mão até que estivesse realmente preparada.
Pouco a pouco os convidados foram embora e finalmente pude relaxar e aproveitar o pouco da noite que restava, com minha pequena família. 

Outra coisa que ele amava, era viajar. Não importava para onde. Fosse um bate-volta em campinas para ver meus bisavós e ouvir histórias, um domingo em Embu-Guaçu revendo meus tios e primos de consideração, ou para Ilha Comprida para passar as férias de fim de ano em família. Sempre que queria, colocava a mim, minha mãe e meus irmãos na antiga Parati prata, separava a seleção de sambas, rocks e MPBs no som que só aceitava fitas cassetes e íamos ver o mundo.
Adorava pegar a estrada na manhã de um sábado ensolarado e ver a grande São Paulo ficando para traz, dando lugar ao verde, ao vento nos cabelos e as risadas de uma família feliz. Lembro-me de achar que aquelas esferas de fibras de vidro penduradas nos cabos de redes fossem bolas de basquete que jogaram ali e de alguma maneira acabaram presas. A volta também era gostosa. Viajar a noite dava um frio na barriga e ver as luzes dos prédios da Marginal Tiete se aproximando me faziam pensar “chegamos em casa”. 
Tenho a mesma sensação até hoje.

Meu pai fazia isso com as pessoas, ou pelo menos comigo, transformava momentos simples em grandes histórias. Dono de um silêncio aconchegante e de uma honestidade inspiradora, ele de alguma forma emanava espiritualidade. Nunca fui muito religiosa, mas acredito que ele com certeza tinha uma sabedoria real de um outro plano e por isso sabia aproveitar cada minuto. 

Ele morreu na manhã de um domingo cinzento. Na véspera de ano novo, uniu-se ao azul infinito do mar, deixando para trás recordações no coração de cada um que tocou.

8 de maio de 2015

Sobre Redes Sociais

Não sei bem o que aconteceu com o mundo, muito menos quando as pessoas se tornaram tão fúteis, alienadas e preconceituosas. Apesar de minha pouca idade, lembro-me bem de como eram as coisas antes dessa febre de Facebook, Twitter e até mesmo do Orkut. Para passar o tempo, brincávamos na rua enquanto nossos pais faziam festinhas frequentemente para se divertir em família. Os xingamentos (gordo, magrelo, esquisito, piolhento) eram engraçado para todos, mesmo que magoassem eram perdoados no dia seguinte na hora de escolher do que brincar. 
Traição? Sempre existiu, claro. Mas como agora? Não consigo me lembrar de relacionamentos durando semanas, tão pouco de serem tão superficiais. Os casamentos eram para sempre e ninguém se orgulhava de ter 2, 3, 5 parceiros. Tudo era simples, tranquilo e feliz. 
Pergunto a você, qual foi a última vez que olhou a lua ou um pôr do sol sem a intenção de tirar uma foto para postar no Instagram? Quando foi que amou de verdade e desligou o celular para apreciar cada momento ao lado dessa pessoa? Quando desejou feliz aniversário, dia das mães ou dos namorados pessoalmente sem a necessidade de postar aqueles textos enormes cheios de falsidade? Onde já se viu fazer uma dedicatória a alguém que sequer sabe mexer num computador???? 
Pare um dia para contar quantas pessoas estão no celular num local público, vai se assustar com a quantidade. Eu o fiz e juro, fiquei chocada. Não serei hipócrita de dizer tudo isso sem me incluir na multidão de zumbis escravos da tecnologia, não seria sincero. Contudo, me esforço ao máximo para manter uma relação com as pessoas ao meu redor sem ficar o tempo inteiro olhando o WhatsApp. Li uma vez em algum lugar que a tecnologia aproxima os que estão longe e distanciam os que estão perto. 
Me perguntam sempre o porquê de eu não querer ser mãe. A resposta é simples: nunca colocaria uma criança no mundo para deixa-la ter um Facebook aos 6 anos, dar um tablet de brinquedo aos 3 ou um celular antes mesmo de saber escrever. O problema é que é esse o mundo que vivemos, é o nosso futuro. Cedo ou tarde, meu filho chegaria da escola chorando ao sofrer bullying por ser o único a não ter essas porcarias. O que dizer? Como agir? Como explicar que o mundo sem isso é muito melhor? Prefiro não ter mesmo. Minha escolha é não procriar num mundo no qual sei que não é bom o suficiente, ou melhor, não é mais o que antes poderia ser chamado de lar.